quinta-feira, 25 de agosto de 2011

LEGALIDADE - final


As noticias chegavam através da Tupi e Nacional.  Brasília sendo a capital era uma ilha deserta e quase isolada, a vida política fervia no Rio.
     Versão de bombardeio aéreo, invasão naval, levou o Governador pensar em afundar barcos na barra. O ato inviabilizaria a entrada trigo argentino, precisava saber o estoque no Estado. Os Silos e Armazéns teriam a informação.
     Estagiários estavam assumindo aquele serviço, conferiram às planilhas, todas erradas.  Acertar por telefone, com o interior, nem se pensava naquela época. Comunicado o Diretor Geral, ficou indignado com a situação.  À noite a noticia foi que o estoque de trigo era suficiente, para abastecer o Estado por 20 dias. Perguntávamo-nos de onde tiraram aqueles números...
        Todos os dias, às 15 horas os funcionários eram “convidados” para frente do Palácio Piratini. Depois do cafezinho no Rian, bordejo pela Rua da Praia, comprava a “Folha da Tarde” e passava rapidamente por lá. Os mais partidários ensaiavam gritos de guerra, até surgir o Hino da Legalidade que a multidão entoava com fervor.
       Saiu à convocação de um plantão de 24 horas. Temia-se alguma coisa pior. Quem desejasse, fosse ao Palácio pedir revolver.  Não fui não saberia usá-lo. Os que foram voltaram armados. Sem dormir escutando rádio tomando café, foi aquela jornada da “Resistência Democrática”. 
   O Dia amanheceu calmo e sereno e o único silvo que se ouviu na madrugada foi dos sabiás, às 4 horas, que cantavam e encantavam a madrugada porto alegrense.
     Encerrada a Legalidade, sem mortes ou feridos, demiti-me do serviço.
     Voltei em janeiro para visitar ex-colegas, no Setor de Pessoal uma gratificação me esperando “pela heróica participação na Legalidade”. Conferiu a devolução da arma, nada constava na lista, recebi o cheque.
Senti-me o próprio “herói mercenário”.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

LEGALIDADE - parte I


Corria o mês de agosto de 1961, após um inverno rigoroso que passei em Julio de Castilhos onde fizera um estágio técnico.  Voltei a Porto Alegre para a sede da Companhia de Silos e Armazéns. O primeiro emprego a gente não esquece. A capital fervilhava, com as noticias vindas do Rio. Janio renunciara e seu vice João Goulart, se encontrava na China, foi vetado pelo congresso. O resto não precisa contar.
O Rio Grande do Sul se levantou com a liderança do jovem governador Leonel Brizola, cunhado de Jango, temendo um golpe. Criou o Movimento da Legalidade.  Os funcionários do Estado foram convocados e as massas populares saíram à rua e se arregimentaram para a resistência. O Governador formou a rede radiofônica da legalidade,  com as emissoras gaúchas, desde os porões do Piratini, onde falava e esbravejava contra a UDN e seus aliados.
Iniciaram-se as inscrições de voluntários para formarem pelotões, o QG estava no Mata Borrão, prédio com esta forma. Entrei e deparo com um colega da ETA, como chefe, era uma figura folclórica, todo pilchado (um dia eu conto suas proezas). Convidou-me para aderir e claro que não que não aceitei. O que valeu ali foi à presença da Leopoldis Sons que fazia um jornal para os cinemas da cidade, nos moldes daqueles do Rio. Apareci falando com ele e o narrador ao editar a matéria linformou que eu estava me alistando. Na outra semana apareceu nas salas e projeção. Foi a maior gozação,dos meus amigos. Imaginem que nem tinha servido, empunhando armas, ficou no registro histórico do fato.
Brizola continuava berrando ao microfone da Cadeia da Legalidade, queria o apoio do Terceiro Exército, comandado pelo General Machado Lopes, que ficou na sua. Aquartelou todas as tropas do sul. Esbravejava também, contra O Corvo (Lacerda), Ulisses, Último de Carvalho, Magalhães Pinto e outros lideres da oposição.
Depois eu conto como participei, como mercenário nas forças de resistência.
(Escrevo ou fico corrigindo. Escolhi o primeiro. Sem revisão, cada um faça a sua, obrigado)

Tio Xiruca volta a Cachoeira



Tio Xiruca, sempre ligado a Cachoeira, que ao lado de Pelotas eram as cidades mais importantes do estado, tinha indústrias, comércio, bancos, hospital, plantações de arroz e estâncias grandes. Todo este progresso deixava o gaúcho encantado, que dizia: - Isto que é cidade rica. Pois tem até igreja de duas torres, viação férrea e porto.
    Combinou, com o  compadre Candoca, para  venderem os bois gordos, juntos para conseguir os melhores preços. Ele era muito vivo e esperto, para negócios, o que lhe rendia algumas reservas no banco. Fecharam negócio, com o comprador Castira.Este, mais esperto ainda  tinha até pessoal para tropeada.
  Viajaram de carona, no Fordeco do comprador, com destino à Cachoeira do Sul.  Além da venda do gado queriam consultar  e visitar seu filho  Sério, que servia no exército.
   Hospedaram-se na pensão do Favorino, na Rua Saldanha Marinho, ao lado da casa da Vovó Riquinha. Lá, teriam mate, comida campeira e jogo de truco, além da amizade da família proprietária.
   Com tempo para passear e prosear com os conhecidos, pois, a tropa demoraria alguns dias para chegar. Na primeira noite, Castira e Candoca, saíram  para ver as moças. Depois de muito esperar tio Xiruca deitou, mas não consegui apagar a lâmpada de cabeceira. Não teve dúvida, enfiou o cano da bota  e dormiu. Na madrugada, quando os companheiros entrarem no quarto, perceberam a fumaça e o cano da bota ardendo em fogo.  Candoca acordou-o e disse: Compadre,temos muito que apreender nesta cidade...
  No outro dia visitou o filho Sério, que iria dar baixa no quartel e que no próximo ano iria casar e que gostaria de ganhar uma casa.
  Para aproveitarem a viagem também queria  consultar com o Doutor Scopel e descobrir a causa de umas dores engraçadas . O médico examinou-o e  aconselhou  fazer alguns exames em Porto Alegre. Candoca estava com as vistas curtas e um argueiro no olho esquerdo,  foi encaminhado para um oculista.
   Castira cumpriu tudo. Pagou a boiada, que foi embarcada  na Viação Férrea com destino  à cidade de Julio de Castilhos.  Com o dinheiro no bolso, achou melhor depositar no Banco da Província, que era o mais forte. O compadre não aceitou o convite, levou os “cobres”, na guaiaca, para guardar embaixo do colchão.
    Retornou a Cacimbinhas de bota nova e alguns cobres, comprou um Almanaque do Pensamento para a esposa Flor.  Candoca faceiro que nem lambari de sanga, com a viagem que nunca teve coragem de fazer e recebeu a recomendação, de que em agradecimento aos passeios, não poderia contar, para ninguém, o causo da botas, principalmente, para o seu Tuca, que  aumentava tud

SEU POTA (final)


Agora vamos encontrá-lo em sua nova morada em Cacimbinhas. Muito contrariado, com as exigências da lei, sempre dizia: -  “agora sou cidadão, imaginem, querem que construa banheiro de ovelhas e divisa de sete fios no meu campo.Coisa do Getúlio”.
Aos poucos foi se adaptando à nova vida. Ficou morando na Pensão da Sorte, até comprar uma casa. Od filho mais velho que chamava de Major, ficou cuidando do gado. Os outros foram servir o exército em Cachoeira.
 Seu Pota passava o dia numa esquina, perto da rodoviária, pois ali sempre via conhecidos da campanha, quando chegavam à Vila. Era uma maneira de ser visto e ser lembrado”, dizia. Assim, logo começaram a pedir empréstimos e seu negócio prosperou. Mas as normas  seguiam como antes.  Primeiro  passariam na fazenda deixando as garantias. Apanhariam um bilhete com o Major com o preço negociado e o juro descontado.  Para os moradores da Vila, emprestava só com aval, do Coronel Fagundes ou do farmacêutico Carlitos. Dizem que nunca perdeu nada.
Ficou tão famoso, como agiota, e deu tanto movimento à Pensão que  o proprietário Samura , trocou o nome, passando a chamar-se Pensão Esquina do Ouro.
O filho Catito seguiu a carreira militar foi promovido a sargento e transferido para o Rio de Janeiro. Era tudo o que queria. Quando visitava Cacimbinhas, nunca tirava a farda. Ficava orgulhoso ao passar por um brigadiano e  vê-lo puxar continência. Cursou Engenharia e lá ficou morando . Queria que os pais fossem à sua formatura, mas seu Pota professava,  aeroplano, só se ele cair na minha cabeça”.
O filho mais moço, o Gasta (o gastador da família),  mais alinhado de todos  só queria coisa boa“sombra e água fresca”. Deu baixa no quartel e  casou com  uma linda moça de Cachoeira. Voltou à Cacimbinhas vendeu suas ovelhas e o gado e desapareceu. Dizem que virou viajante de secos e molhados.
Seu Pota tornou-se popular e conhecido, na Vila, por sua presença de espírito. Tinha resposta sempre na ponta da língua . Pois não economizava para dizer suas belas e sábias conclusões..
Eleitor fiel do Coronel Fagundes, só  votava em quem ele indicasse.
Um dia foi no engenho do Chaninho e conheceu uma nova girigonça portátil, a máquina de costurar saco. Encheu o peito e repetiu aquela velha afirmação:não dá mesmo para duvidar de nada , todo dia conheço uma novidade”.
Assim tornou-se um respeitável cidadão na Vila, reconhecido por todos, sem nunca ter revelado qual a taxa de juro cobrada e o nome dos tomadores.

Tio Xiruca


                                     
  Na velha Cacimbinhas corriam notícias e causos de todos os moradores.
Principalmente nas famílias tradicionais e mais numerosas, sempre tinham histórias hilárias.
  Minha Mãe tinha um tio, chamado Xiruca, fazendeiro remediado, gaúcho simples de poucas letras que gostava de viajar para Cachoeira. Vendia uns bois gordos, de sete/oito anos, com mais guampa que carcaça e se mandava para o outro lado do rio Jacui.
  Certa vez levou seu filho Glicério, apelidado de Sério, para um atendimento hospitalar. O jovem foi atendido pelo Dr. Scopel e operado de apendicite. Tio Xiruca não entendeu o nome e dizia que era de “penisite. Os amigos perguntavam: - Como está o Sério? Respondia logo: - O próximo está todo “esparagaitado” (com esparadrapos), em cima da cama e a Flor cuida dele.
  Levou, também, seu filho Odilon, que chamava de Ilon. Certo dia o Ilon desapareceu do hotel e ele muito aflito, saiu pela Rua Sete a sua procura, pois, considerava Cachoeira uma cidade grande, e, em cada esquina gritava: - Ilon, Ilon e a quem passava perguntava: -“Não me viram o Ilon por ai”? Encontrou uns conhecidos e continuaram a procura.
  Cansados e com sede chegaram ao Café Frísia e pediram água. O garçom prontamente atendeu, servindo-lhes uma bem gelada. Tio Xiruca, deu o primeiro gole, cuspiu no piso e disse – Esta água está choca, animal! O rapaz educadamente, respondeu: - Não senhor, é água com gás. Foi uma gargalhada no recinto.
  Voltando, ao hotel, ouviu umas batidas e gritos do Ilon. Seguiu pelo corredor e encontrou o guri preso no banheiro.  Não conseguia abrir a porta. Olhou de alto a abaixo e lascou: -“ovelha não é pra mato mesmo, porque não foi na moita ”...
  Esta foi uma das histórias do tio Xiruca, figura ímpar em nossa família.

Um Conto


                                 Um  Conto

    Não é fácil escrever um conto, além do imaginário, precisa-se de uma memória ficcional presente, de onde vertem as idéias. Às vezes é um saco, para o autor, que bulira e aperfeiçoa o texto e ninguém gosta. Então, a gente deve procurar escrever para si próprio, ai não tem erro, ficando sem responsabilidade de agradar.
    O seu Pota, um sábio morador em Cacimbinhas, tinha razão em acreditar só em suas verdades. Quando chegava com uma novidade ele lascava de pronto, já sábia, conheci lá em Cachoeira, nem levava o assunto adiante. Certa vez chegou um mascate na sua fazenda, contando que estavam criando um tal de “Cérebro Eletrônico”. Ele, respondeu logo: “depois que conheci a máquina de costura, na casa da minha bisavó, não duvido de mais nada.”..
    Sendo um homem bem informado, para época, pois mensalmente seu amigo Coronel Fagundes, presenteava-lhe com uma pilha de exemplares do Correio do Povo, que eram lidos e relidos, para poder passar as noticias aos seus visinhos e clientes, estes, em bom número. Seu Pita era um homem do campo, que guardava e aplicava muito bem suas economias na agiotagem. Dizem que nunca perdeu um vintém. As taxas dependiam do grau de necessidade e ao que se destinava. As maiores eram para quem apostava em carreiras de cancha reta. Garantias, como no tempo dos “velhos papagaios bancários”, vinham em primeiro lugar. Portanto, o negócio tinha que ser bom para todos, isto é, para ele e para sua família. Deixa umas novilhas e terneiros de sobre ano comigo, para numa eventualidade. Que visão econômica financeira, já tinha o seu Pota, nunca perdia.
    Os filhos saíram cedo de casa, uns casaram outros foram servir a Pátria e se tornaram independentes. Ai os negócios prosperaram mais. Resolveu depositar as economias no banco, pois os assaltos começaram na região. A princípio resistiu, mas com a notícia de que tinham roubado ovelhas do campo do Coronel, não encontrou outra saída. Além disso, os juros aumentaram, e, cada vez que fazia uma operação, precisava fazer uma viagem a Cacimbinhas, no ônibus do Pinheiro ou Campinas. Conhecido por sovina e pão duro, daqueles que não comia um ovo, para não colocar a casca fora. Tinha suas manias. Quando ia para o povo, colocava só um pé de bota, às vezes o esquerdo, outras o direito e lógico, sempre com um chinelo no outro pé. Isto para economizar as botas. Dizia: - “Imagina, andando com os dois pés, quanto vou gastar”. Sua guaiaca (cinto) tinha vários esconderijos onde colocava as pelegas, retiradas do banco. E, numa mala de garupa levava um fiambre. Retornava, sempre com algum mantimento comprado, no armazém dos Meireles, pois, os preços do bolicho do Almery, seu visinho, estavam caros demais. Que homem de visão!
    Criava gado de todos os pelos e um rebanho de ovelhas de raça indefinida. Um dia chegou um gaudério dizendo ser o fiscal da sarna ovina.   A lei mandava, combater a sarna e todo criador deveria fechar suas propriedades, com sete fios de arame e construir banheiros especiais, só para as ovelhas. Deu uma mateada, fechou um palheiro, puxou um pigarro e disse: - “Dura Lex Sed Lex. Avisa teu chefe que aqui não tem mais ovelha e que meu campo vai continuar com três fios de arame”.  Resolveu a situação. No outro dia chamou os filhos e, entregou-lhes todo o rebanho. Mudou-se para a cidade e nunca mais voltou à fazenda. Passou a viver como peixe fora d’água. Reclamava que as leis são cruéis e matam os viventes à míngua e ainda tendo que morar neste muquiço de pensão, sustentado pela mulher, que ganha uns trocados na moderna máquina de costura.