Colaboração do amigo Hervê Pasquotto Saciloto *
Uns profundos sulcos verticais entre as fartas sobrancelhas eriçadas, olhos faiscantes, grandes maxilares rígidos, um metro e noventa de altura, voz grossa, firme e aqueles bigodes pretos fazem de Inocêncio um gaúcho típico da fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, Ainda mais quando calça as botas pretas de pelica, veste as bombachas largas de gabardine, toda pregueada nas laterais, presa na cintura por uma guaiaca feita por artesãos da região, com a camisa branca de mangas compridas, arregaçadas até a metade dos braços e lenço vermelho ao redor do pescoço, amarrado com um nó caprichado que aprendeu com o avô.
É conhecido como o maior “pão duro” da fronteira; basta dizer que, em dois anos, triplicou a área de vinte quadras de campo que herdou do avô, morto por três tiros de revolver na sua última briga, em uma festa do Divino na igreja da Vila.
Machão corajoso e fanfarrão. Nada amedrontava o Inocêncio a não ser o sexo oposto Ao se aproximar de uma mulher treme dos pés à cabeça. Para compensar esta fraqueza, vive mentindo aos amigos. No bolicho à beira da estrada, onde as pessoas se aglomeram para jogarem tava ou bochas, conta em voz alta, para que todos ouçam dezenas de casos amorosos que jamais aconteceram
Certo dia, uma prostituta da capital, de passagem pela região, sentada em silêncio, ouvia as gabolices de Inocêncio, sem ser percebida pelo grupo, absorto nas mentiras que fluíam da boca do machão.
A mulher, uma morena alta, cintura fina e lindas pernas, olhos castanhos e cabelos pretos caídos nos ombros, em certo momento, após avaliar com precisão a personalidade do líder do grupo resolve fisgá-lo, com a esperteza e a experiência que aprendeu durante os longos anos vividos na escola da vida
Levanta, caminha de vagar, balançando o corpo com harmonia de uma modelo desfilando na passarela. Aproxima-se de uma roseira repleta de rosas vermelhas. Pára. Disfarça interesse pela beleza das flores. Logo que percebe o silêncio na cancha de bochas, olha por cima do ombro esquerdo, encara o grupo extasiado com sua beleza e encontra os olhos amedrontados do Inocêncio que busca uma estratégia para sumir do local. Ri com delicadeza, e sem palavras, apenas gesticula. Um dos homens surpreso capta a mensagem. “Você é mesmo um cara de sorte. É para ti, Inocêncio! Vai lá”.
Completamente paralisado, Inocêncio procura, aflito uma saída. Fugir seria a sua ruína de macho. Olha para o grupo e percebe que precisa decidir o que fazer. Encaminha-se quase cambaleando em direção à mulher, que o recebe sorrindo. Com um gesto pede que se aproxime um pouco mais. Levanta-se na ponta dos pés, encosta a boca na orelha de Inocêncio e fala baixinho por alguns segundos.
Os dois saem pelo portão da frente do bolicho, sob os olhares curiosos dos amigos.
Hoje, casados, junto com seus dois filhos, continuam freqüentando o local sob a curiosidade dos amigos que jamais souberam o que disse a mulher no ouvido de Inocêncio.
- Agro-Técnico da ETA
- Geólogo da Petrobras
- De Santiago do Boqueirão
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